O que aconteceu há 700 mil anos para mudar os ciclos climáticos da Terra? | - CCMAR -
 

O que aconteceu há 700 mil anos para mudar os ciclos climáticos da Terra?

 

Há muito que os investigadores se interrogam sobre a forma como o clima do nosso planeta mudou, há 700 mil anos, de ciclos climáticos de 40 mil anos para os actuais ciclos climáticos de 100 mil anos. Um novo estudo identifica um período glaciar "quente" que teria permitido a acumulação de gelo necessária para esta importante transição.

Períodos glaciares e períodos interglaciares

Durante os últimos 700 mil anos, o nosso planeta tem sido submetido a fases alternadas de períodos glaciares e interglaciares marcantes, com cerca de 100 mil anos. Os periodos glaciares caracterizam-se pelo desenvolvimento de grandes camadas de gelo no hemisfério norte. Até cerca de 700 mil anos atrás, o clima da Terra era regido por ciclos de 40.000 anos com períodos glaciares mais curtos e mais fracos. A mudança entre as duas ciclicidades ocorreu no final de um período, denominado Transição do Pleistoceno Médio (TPM), datado entre 800 e 670 mil anos. Até recentemente, os mecanismos responsáveis por esta mudança fundamental de ciclicidade permaneceram em grande parte desconhecidos, uma vez que não se conseguia atribuir esta mudança de ciclicidade a variações nos parâmetros orbitais que regem o clima da Terra.

 

Descoberta de um período glaciar quente que alterou o ciclo climático da Terra.

 

Num estudo que contou com a participação de Teresa Rodrigues, investigadora do CCMAR e do IPMA, foi abordada a questão da mudança de ciclicidades na Transição do Pleistoceno Médio. Combinando novos registos climáticos da margem sudoeste da Península Ibérica com registos de loess do planalto chinês e simulações de modelos, o estudo identifica uma tendência semelhante de aquecimento e humidade a longo prazo nas duas regiões subtropicais entre 800 e 670 mil anos atrás.

O estudo revela que as temperaturas à superfície do mar no Atlântico Norte e nos oceanos tropicais do Pacífico Norte foram, durante este período, paradoxalmente mais quentes durante o glaciar do que no interglaciar precedente, o que levou a uma maior produção de humidade e precipitação, a uma maior expansão da floresta do Mediterrâneo Ocidental e a uma monção de Verão mais acentuada na Ásia Oriental. Esta configuração climática resultou num fornecimento de humidade oceânica de ambos os oceanos para latitudes mais elevadas, que alimentou as calotes polares e contribuiu de forma decisiva para a expansão das camadas de gelo da Eurásia e da América do Norte. Esta expansão foi necessária para desencadear a mudança dos ciclos de 40 000 anos para os ciclos de 100 000 anos que se verificam actualmente, o que foi fundamental para a evolução climática da Terra.

 

Consulte o estudo aqui: https://doi.org/10.1038/s41467-023-38337-4

 

 

Figura 1. Aumento a longo prazo da floresta mediterrânica e da precipitação e da monção de Verão da Ásia Oriental associado ao aumento e migração para norte da fonte de humidade do Atlântico. O clima glaciar é mais quente e mais húmido do que o interglaciar anterior.